segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Crônica: Ritual da segunda-feira

segunda-feira
"Ela levanta da cama ainda tonta pela bebedeira da noite anterior, a ânsia aparece segundos depois. Joga para o lado a mecha de cabelo que está atrapalhando sua visão, olha o amontoado de roupas no chão, aquelas roupas de grifes que custaram tão caro e agora estão molhadas por cerveja barata e emitindo um forte odor que deve ser presente da fumaça dos cigarros daquela mesma galera com que sai pra se divertir.
O gosto ruim vem novamente à sua boca, agora ela se pergunta se é mesmo causado pelo álcool que consumiu ou pelo sabor amargo das bocas aleatórias que beijou. Checa o celular só pra saber se tem alguma mensagem dele, mas se depara com cerca de seis conversas diferentes e desinteressantes sobre como a noite anterior foi maravilhosa. Pega a toalha de banho, coloca suas pantufas e tenta se equilibrar até o banheiro.
Quando se olha no espelho se depara com o rímel e o batom borrado, seriam eles prova do que a proposito? Talvez tivesse beijado mais pessoas do que se lembrava, isso poderia explicar o batom vermelho que manchava todo o seu rosto. Aquele rímel possivelmente provinha de choros, nos quais deveria ter despejado a qualquer estranho como sua vida era entediante e monótona nos últimos tempos. Ou talvez só tenha dormido maquiada, o que gostaria fielmente de acreditar, por ser um motivo menos humilhante quando comparado aos outros.
Suspira enquanto observa seu reflexo, se perguntando quando sua vida se tornou isso, quando virou uma pessoa tão limitada, chegava a ser difícil se reconhecer nos olhos vazios e opacos que lhe observam de volta, capturando todas as imperfeições que tanto lhe assustam.
Acaba por desistir de encarar a realidade, liga o chuveiro na temperatura máxima, a água quente cai sobre seu corpo, anestesiando não somente ele, mas também sua alma, levando o cheiro de mais uma das noitadas que fingiu aproveitar. O vapor que sai do chuveiro é reconfortante, faz com que se sinta aquecida, acolhida, completa e traz memorias de quando sua única preocupação era a espinha que teimava de surgir em dias inapropriados.
Sabe que está atrasada para seus compromissos diários, mas se deixa demorar mais alguns minutos na sauna improvisada. Quando sai do banho, limpa o vapor que ainda está presente no espelho e se encara novamente. O rosto, que agora está limpo da maquiagem borrada, continua sem animo, sem brilho, como se a felicidade que ali habitava tivesse se mudado sem deixar se quer nenhuma explicação.
Mas ela sabia pra onde a sua felicidade foi, ela foi embora com ele, quando sussurrou aquele adeus e disse que não aguentava mais fingir que ainda sentia algo por ela. Quando ele desistiu, quando lhe deu as costas, quando aquela porta bateu... Naquele dia ele se foi e metade dela foi junto.
Termina de se arrumar sem derrubar uma lágrima sequer, o choro já secou, o seu coração já tinha se esgotado da automutilação lembrando que memórias como essa. Dizem que a tortura constante não deixa de doer, mas o corpo acostuma a se anestesiar, talvez o mesmo tenha ocorrido com sua alma.

É apenas uma segunda-feira qualquer, mas um inicio de semana, ela abre a porta e parte para seus afazeres. Já sabendo que no fim de semana seguinte esse ritual se cumprirá novamente."

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